Cena de "Portal Cósmico", vídeo imersivo do Museu do Amanhã. Cortesia O2 Filmes.

Os segredos do ofício do pioneiro em narrativas imersivas Ricardo Laganaro

Thiago Jansen
Magenta Brasil
6 min readFeb 13, 2017

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Especialista em projetos de realidade virtual (VR, no inglês) e 360º, o diretor Ricardo Laganaro fala sobre o que funciona ou não nos formatos.

PProcure por qualquer lista de tendências digitais para 2017 e tente não esbarrar com os termos “realidade virtual” e “vídeos em 360º”. Difícil, certo? Por um lado, o fenômeno pode ser explicado pelo fato de que 2016 viu a chegada desses formatos ao consumidor com o lançamento de dispositivos como Oculus Rift, HTC Vive e PlayStation VR, além de acessórios como um novo Gear VR (da Samsung) e o Daydream View (do Google). Por outro, trata-se de uma consequência direta do trabalho de pioneiros que, nos últimos anos, vêm desbravando seus potenciais narrativos antes mesmo do amadurecimento da sua tecnologia. No Brasil, Ricardo Laganaro é, sem dúvida, um dos principais expoentes desse grupo de profissionais.

Ricardo Laganaro, diretor da O2 filmes.

Diretor na produtora O2 Filmes, de Fernando Meirelles, Ricardo vem se consolidando como referência nacional no desenvolvimento de experiências audiovisuais imersivas. São dele, por exemplo, a direção do curta “Portal Cósmco”, que conta a formação do universo em um domo de 360º no Museu do Amanhã, no Rio de Janeiro; do videoclipe “O Farol”, da cantora Ivete Sangalo, desenvolvido em parceria com o Facebook para o lançamento nacional da plataforma da rede social para vídeos nesse formato; e do projeto “Rio: Além do mapa”, criado a pedido do Google para os Jogos Olímpicos de 2016 e que se propõe a trazer um novo olhar sobre algumas das favelas da cidade.

“Com um filme tradicional ruim na tela plana, você dorme. Agora, com um filme ruim em 360º ou em realidade virtual, você vomita. E isso é um problema: de repente, as pessoas podem passar mal, literalmente enjoar, vendo o seu conteúdo. E se você está fazendo algo para uma marca, ou para o grande público, isso representa uma puta responsabilidade”, afirma Ricardo, que volta a palestrar esse ano no festival South by Southwest (SXSW), em Austin (EUA), sobre o tema.

À Magenta, o diretor falou sobre algumas das lições práticas que aprendeu em seus principais projetos imersivos, os equívocos que ainda vê sendo cometidos por profissionais e marcas ao abordar os potenciais dos novos formatos, além de citar algumas de suas principais referências.

Perfil profissional híbrido

Hoje, os bons profissionais de computação gráfica têm tanto o domínio de dramaturgia, estética, direção de fotografia e direção de arte, quanto um bom diretor de set. Esse profissional não é mais só o técnico que aperta botão e faz um efeitinho: ele tem que saber composição, tem que saber todos os conceitos de cinema para fazer imagens bonitas, do zero, no computador. Da mesma forma, um diretor que deseja se utilizar das novas tecnologias precisa, cada vez mais, buscar conhecimento técnico: a computação gráfica não é mais algo apenas para a pós-produção.

“Portal Cósmico”, do Museu do Amanhã.

Conheça a tecnologia

Quando começamos o projeto em 360º do Museu do Amanhã, achávamos que lidaríamos apenas com uma projeção mapeada em uma tela esquisita. Batemos muito a cabeça até percebermos que é impossível criar para esse novo formato sem ter o domínio da técnica e das ferramentas a serem usadas. Na produção de um filme tradicional, pensa-se muito no seu conteúdo, mas nem tanto na parte técnica, porque o seu básico está mais ou menos estável há uns 50 anos. Só que quando você vai fazer um conteúdo imersivo, é preciso voltar algumas casas e realmente entender a parte técnica, quais são as suas implicações no tipo de conteúdo que você pode contar e qual é a melhor forma para explorá-lo.

Guie o público

Um dos principais aprendizados que tivemos no videoclipe da Ivete Sangalo para o Facebook foi que, em geral, o público ainda não sabe para onde olhar em conteúdos imersivos e acaba perdido. Para sanar isso, tentamos criar uma série de situações no começo do videoclipe em que a Ivete se aproxima da câmera e chama a atenção do público para guiá-lo nesse ambiente em 360º. Em muitos projetos do tipo, a sacada é entender que se você consegue guiar o público para onde ele precisa olhar logo no início, ele relaxa e consegue aproveitar melhor o conteúdo. Um erro comum que vejo é o fetiche de que só porque o público pode virar para todos os lados do vídeo, é preciso fazer coisas acontecerem o tempo todo ao seu redor.

Ferramenta de teletransporte

No projeto do “Rio: Além do mapa”, sacamos logo que se fôssemos filmar as favelas como em uma produção tradicional, não daria certo: em um filme normal, você consegue, por meio da edição e do enquadramento, evidenciar só as partes dos espaços que são visualmente interessantes, o que não dá certo no vídeo em 360º. A abordagem então foi encarar o formato como uma ferramenta de teletransporte, considerando os lugares dentro da favela que são interessantes de se estar não olhando só para uma direção. Percebemos que esses ambientes são os pequenos, apertados, que são difíceis de você ir se não é um local da favela: é a padaria da esquina, a borracharia, a vendinha de salgadinhos etc.

“Além do Mapa”, do Google.

Como contraponto, captamos também imagens em 360º com um drone, em que o espectador poderia ter uma visão ampla da favela. Assim, seria possível alternar rapidamente esses dois pontos de vista, potencializando a sensação de imersão para o público.

Busque referências

Acho que uma das maiores dificuldades entre os profissionais da área é conseguir acompanhar as novidades na velocidade que saem. Você pega hoje um aplicativo como o do New York Times, por exemplo, e todo dia há um vídeo em 360º novo nele.

Apesar disso, tento assistir ao máximo de conteúdos que consigo e gosto de anotar o que acho que funciona ou não. Costumo ler o blog da plataforma Story Studio, criada pela Oculus, e que traz boas discussões de aspectos técnicos ligados aos seus projetos. Outra grande referência pra mim é o Chris Milk, um diretor que veio dos videoclipes e é cofundador da Within, uma das principais produtoras de filmes em VR da atualidade. O próprio Google possui o Spotlight Stories com bons exemplos de narrativas, como o curta “Pearl”, que é fantástico.

Esqueça fórmulas

Há um ano atrás, você lia sobre realidade virtual e existiam diversos dogmas a respeito do que fazer ou não, mas a verdade é que até hoje não existem fórmulas. Estou participando de um projeto a convite da Oculus com mais 9 diretores de todo o mundo e uma coisa que chegamos à conclusão é que as regras nesse meio ainda estão para serem escritas. Ou seja, por enquanto, não há certo e errado, apenas pistas do que pode ou não funcionar de acordo com o que você deseja fazer.

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