Arte por Marcos Balbino.

O uso da tecnologia para mapear a violência no Rio de Janeiro

Thiago Jansen
Magenta Brasil
4 min readJul 27, 2017

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Criado pela jornalista Cecília Oliveira e pela Anistia Internacional, o app Fogo Cruzado permite que cidadãos troquem dados para contornar tiroteios.

DDados oficiais da Polícia Civil do Rio de Janeiro dão conta de que até junho desse ano ao menos 632 pessoas foram atingidas de balas perdidas no estado fluminense — dessas, 67 se tornaram vítimas fatais. Nesse cenário de violência, um serviço digital vem mostrando como a tecnologia pode causar impactos reais no cotidiano das pessoas, ajudando, inclusive, a salvar vidas. Trata-se do website e aplicativo Fogo Cruzado.

Disponível para dispositivos Android e iOS, o serviço trata-se de uma ferramenta colaborativa que permite que cidadãos compartilhem informações sobre disparos de armas de fogo na Região Metropolitana do Rio e em municípios próximos. Esses relatos são então verificados pela equipe da plataforma e, se confirmados, publicados para consulta pelos demais usuários. Vale ressaltar que por seu caráter colaborativo, seus registros não necessariamente englobam todas as ocorrências do Rio.

Criado pela jornalista Cecília Oliveira, em parceria com a Anistia Internacional, a plataforma completou um ano de atividade nesse mês. Em seu primeiro semestre, funcionando como piloto em favelas e municípios da Baixada Fluminense, ela teve 2.517 notificações de tiroteios publicadas e 42.719 instalações em smartphones.

Especializada na cobertura de Segurança Pública, Cecília atualmente é responsável pela gestão dos dados da solução. Ela afirma que o sucesso da iniciativa se traduz não só por seus números, mas também pelos frequentes relatos de usuários sobre como a ferramenta tem lhes ajudado a evitar situações de risco.

“Recebemos mensagens diárias pelas redes sociais de pessoas que estavam indo pra casa e decidiram esperar um pouco, gente que viu em nossos perfis que uma rua estava fechada por causa de operação policial e pegou outro caminho, por exemplo”, conta.

Aprendizados e desafios

Entre os aprendizados que vem tendo com o Fogo Cruzado, a jornalista destaca que a dificuldade de se trabalhar com dados e estatísticas não diminui o interesse das pessoas em relação à aplicação prática dessas informações — desde que desenvolvedores, designers e produtores de conteúdo saibam apresentá-los da melhor forma possível.

“A linguagem técnica e acadêmica exclui as pessoas, o que não chega a ser uma novidade, mas se você apresentar o dado da forma certa, com uma interface dinâmica e amigável, vai gerar interesse. Para isso, é importante ter conhecimento do assunto com o qual se quer trabalhar”, conta ela.

Cecília explica ainda que por lidar com um tema delicado, que afeta principalmente moradores de áreas que já costumam ser conhecidas pelo problema da violência, a equipe por trás da solução precisa ter um cuidado especial com o conteúdo utilizado no serviço. A preocupação é evitar “que o estigma que algumas áreas da cidade já têm seja ainda mais reforçado”. Por esse motivo, fotos ou vídeos com pessoas baleadas e sangrando não podem ser vinculados no app, por exemplo.

Em paralelo ao seu mapa colaborativo, o serviço também publica relatórios mensais, produzidos a partir de dados do próprio app e de relatórios da Polícia Civil, e vincula notícias sobre a situação da violência urbana no Rio de Janeiro. Recentemente, a Diretoria de Análise de Políticas Públicas (DAPP) da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e a equipe por trás do app inauguram uma parceria para elaborar pesquisas sobre registros de violência armada no Rio e sugerir possíveis ações de políticas públicas para mitigar esses efeitos.

No primeiro estudo criado a partir da parceria, intitulado “Educação em Alvo: Os Efeitos da Violência Armada nas Salas de Aula”, foram cruzados dados acumulados entre julho de 2016 e julho de 2017 sobre tiroteios e disparos de armas de fogo com informações de instituições públicas de ensino do Rio de Janeiro (escolas estaduais, municipais, federais e creches).

Tecnologia a serviço do cidadão

Para Cecília, apesar do ideia por trás da plataforma ser relativamente simples, ela demonstra como o potencial da aplicação da tecnologia a serviço do cidadão ainda é subestimado por uma grande parcela das instituições civis e pelo poder público.

“Poucas delas têm se adequado aos novos tempos e as novas discussões que envolvem democracia digital. O poder público também não fica muito distante disso. Os portais de transparência, por exemplo, são complicados, a disposição dos dados não são nada amigáveis. Em muitos casos, infelizmente, a desinformação é uma estratégia”, afirma a jornalista.

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