Ilustração por Victor Belinatti e Art Direction by Ana Vasquez.

A web como ferramenta para a desconstrução de padrões estéticos

Maristela Abreu
Magenta Brasil

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Como um blog de moda plus size virou um espaço de autoaceitação, troca de experiências e combate a preconceitos.

DDurante a semana do Dia Internacional da Mulher, vale lembrar que, sim, a tecnologia também pode ser uma ferramenta de empoderamento feminino e desconstrução de inseguranças pessoais — ainda que o assédio online contra mulheres exista aos montes e deva ser melhor combatido. No meu caso, ao me conectar com mulheres que passavam pelos mesmos receios de imagem que eu, por meio de um blog, pude aprender a enfrentar as pressões sociais por determinados padrões estéticos e ajudar outras pessoas a se amarem pelos corpos que têm.

Sempre estive acima do peso, desde criança, mas meus pais nunca me repreenderam por isso — o que acontecia era exatamente o contrário. Na adolescência, no entanto, as coisas começaram a mudar e passei a me sentir inadequada, feia, e, o pior, também comecei a enxergar a minha família assim. Esse processo me levou a muitas dietas, remédios e um efeito sanfona no meu corpo até meus vinte e alguns anos, quando comecei a trabalhar em uma pequena agência de publicidade.

Nessa época, em um momento de frustração criativa, uma amiga me veio com uma ideia: “Vamos criar um blog”. “Um blog de que? De moda? A gente não consegue achar roupa para gente! Como vamos fazer um blog de moda?”, questionei. A resposta veio da pergunta: uma página sobre a dificuldade de se vestir quando se está acima do peso. Assim surgiu o Tamanho P.

Se inicialmente a página foi criada a partir de uma necessidade prática, pouco a pouco ela se transformou em um espaço de diálogo entre leitoras que também passavam pelas mesmas dificuldades que as minhas — e não só aquelas referentes ao guarda-roupa. Assim, nesses seis anos, cada look postado passou a ser uma oportunidade de troca de experiência com outras mulheres que, com frequência, enviam desabafos sobre traumas relacionados a estar acima do peso, pedidos de conselhos e agradecimentos. À medida que a comunidade de leitoras do blog crescia, fui percebendo na prática a capacidade-clichê-mas-verdade da internet aproximar pessoas que não teriam a oportunidade de se conhecer de outro modo.

A redução de distâncias, o anonimato e a instantaneidade do espaço virtual muitas vezes dão margem à agressividade e ao bullying, mas são justamente essas características que também permitem dar voz a quem sempre esteve à margem na questão da representatividade (no Brasil, mais 82 milhões de pessoas estão acima do peso, segundo o IBGE). Plataformas como blogs, redes sociais, fóruns, entre outras, tiraram a hegemonia do discurso da grande mídia e das marcas, possibilitando jogar um holofote sobre questões que atingem milhares de pessoas à margem dos padrões, como a gordofobia.

Se hoje questionar padrões tradicionais de beleza e suas construções pode ser visto como algo natural, com um crescente número de marcas apostando em ações mais inclusivas por conta do buzz, muito disso se deve à capacidade mobilizadora da internet. Não à toa, mulheres que estão acima do peso, conhecem muito bem seus corpos e já passaram décadas com vergonha de se expor agora são capazes de encontrar influenciadoras digitais que as representam: @juromano, @parispaula, @ricci.ju, e, internacionalmente, @bethditto, @TessHolliday, @girlwithcurves, @nadiaaboulhosn.

Entenda, não se trata de pregar a obesidade, mas sim de dizer que está tudo bem em não ter o corpo daquela modelo de revista ou daquele comercial: é possível ser bonita vestindo qualquer tamanho. O primeiro passo para desconstruir o preconceito é desvelá-lo, e, nessa tarefa, o digital representa uma poderosa ferramenta. Devido ao alcance da web, ao mostrar que corpos maiores existem e como eles são, conseguimos impactar pessoas que ficam felizes, admiradas, inspiradas e até aquelas que os veem com asco. Nesses casos, sempre tentamos conversar, mas quando quando não funciona, é beijos de luz mesmo. Temos mais meninas com quem conversar e a tecnologia nos dá a certeza de que elas nos ouvirão — e vice-versa.

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