Ilustração por Paul O’Connor.

Assumindo a vida digital da minha mãe

Lauren Streib
Magenta Brasil
5 min readFeb 6, 2017

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Pais idosos e os limites da tecnologia.

NNos últimos meses do ano passado, a saúde da minha mãe tornou-se imprevisível. Eu vou deixar de fora os detalhes, uma vez que esta história não é sobre lidar com questões médicas. É sobre outra coisa: o esmagador detrito logístico e as limitações das ferramentas digitais projetadas para fazer essa confusão menos bagunçada.

Alguns dias antes do Natal, um jogo de telefone entre mim, minha mãe, e meu irmão revelou que era oficialmente Hora da Mobilização. Meu irmão reservou um voo de última hora para Pittsburgo. Enquanto isso, tentei calcular o momento aproximado em que me tornei uma pessoa de 30 anos não qualificada. Nada diz eu-não-mereço-ser-um-adulto como responder à dor das pessoas que você mais ama com ignorância intencional. E eu havia passado meses naquele estupor, já que havia planejado passar o feriado de Natal vendo Netflix bêbada no Brooklyn.

Em vez disso, botei o pé na estrada e fui para a minha casa da infância alguns dias depois do meu irmão. Eu estava preparada para lidar com apenas as mais práticas das preocupações, porque é assim que evito o trabalho emocional. Minha mãe estava gastando quase toda sua energia e tempo atendendo às suas preocupações mais fundamentais, então, ela estava tendo dificuldade em manter o controle de suas contas mensais e em compreender os demonstrativos de investimento.

O problema foi agravado porque sua identidade tinha sido roubada no verão e o processo de desembarace de potenciais fraudes envolveu uma procissão para conseguir um novo cartão de crédito e para checar as contas correntes que tiveram que ser posteriormente fechadas. Tudo, desde a conta da TV a cabo até a assinatura do Consumer Reports estava ligado a uma confusão caótica de logins e contas extintas. A conta de água não era paga há meses, a empresa de gás estava exigindo um cheque e o único cartão de crédito disponível expiraria em 10 dias.

Criei uma planilha. As linhas codificadas por cores forneceram espaço para cada número de conta, nome de usuário, senha, data da última conta, e por aí vai. Catarse em colunas. Então, eu comecei a tentar juntar o quebra-cabeça célula por célula.

Essa é a grande questão em tentar abrir o gaveteiro de arquivos digitais de outra pessoa: ele é projetado para que você não consiga fazê-lo. Os logins mais simples me permitiam atualizar uma senha com um e-mail. Mas os mais complicados queriam que eu colocasse o nome do primeiro melhor amigo da minha mãe, o nome do meio do seu pai, os últimos quatro números do seu telefone durante a infância. Então, mesmo que eu tivesse resolvido eliminar todos os aspectos emocionais do processo, fui forçada a enfrentar algumas instruções muito literais me perguntando se eu realmente conhecia minha mãe, se eu era qualificada para essa responsabilidade. E, em um ataque de pânico específico, me lembrei de uma conversa que tivemos no verão, quando eu disse a ela para responder a esses tipos de perguntas incorretamente para enganar o mais inteligente dos ladrões digitais.

Tenho 33 anos, a idade em que minha mãe teve seu primeiro filho (meu irmão, acima mencionado). Tenho a mesma idade dos meus dois amigos mais próximos, os quais tiveram filhos no último ano. Enquanto isso, venho cultivando uma espécie hiperativa de monstro do controle dentro de mim. Ele ama convites de calendário do Google e listas de compras compartilhadas. (Nada diz “Eu adoro você e me importo com seu bem-estar” para um namorado como um lembrete pop-up do iPhone com segmentação geográfica para comprar mais pasta de dentes.) Eu não estou acostumada a cuidar de outras pessoas no meu dia a dia. Estou acostumada a usar a tecnologia para gerenciar uma existência singular e bastante autocentrada.

Meu amor por controle não é nada novo; a tecnologia simplesmente o ajudou a encontrar uma nova forma de expressão. Na quinta série, após uma viagem da escola para Colonial Williamsburg, eu estava tão convencida de que minha mãe iria se esquecer de me buscar domingo à noite que eu simplesmente evitei passar pela fila de carros parados e fui andando para casa. Então, enquanto eu estava descarregando as coisas de dentro do meu saco de dormir em um cesto, ela estava ligando freneticamente para os pais do bairro de um telefone público em um estacionamento me procurando.

Agora, era a minha vez de precisar navegar pelo medo. Tentar organizar as contas online da minha mãe era como interagir com uma versão digital da torre do jogo Jenga. Eu removi a conta de internet dial-up que ela estava pagando desde que eu era caloura na faculdade, mas esbarrei em uma conta nova de Gmail apenas para credores. Eu carreguei todas as suas contas no Mint, em seguida interrompi o esforço ao perceber que o aplicativo do iPhone não facilita a alternância de contas. Eu me inscrevi em um gerenciador de senhas digitais que armazena de forma segura e infinita logins e números de contas. Mas, onde salvar a senha do gerenciador de senhas? Tudo parecia precário e esmagador.

Claro, todo esse esforço só torna as minhas responsabilidades mais fáceis. Minha mãe nunca usará o aplicativo de gerenciador de senhas; ela só liga seu iPhone 4 quando está viajando. Ela nunca vai depender do convite do calendário do Google para as suas consultas médicas ou dos lembretes para ligar para a enfermeira toda sexta, ou das notificações push para tomar seus remédios. Seus lembretes estão escritos com sua letra cursiva francesa nas notas aleatórias em papéis na geladeira, na mesa da cozinha, na sua escrivaninha.

Eu gostaria que houvesse uma Internet da Fisher-Price. Como as mini-cozinhas construídas para crianças, esta internet seria livre de tensões e bordas afiadas. Sem fraude nos e-mails, sem formulários de autenticação multi-fator, sem urls quebradas. Apenas e-mails de amigos e familiares, e um único aplicativo que te fornece a previsão do tempo e o lembra de pagar a hipoteca com animações lúdicas. Eu quero isso para a minha mãe. Porque as tecnologias pelas quais sou muito grata — aquelas que tornam possível hackear ao mesmo tempo um sistema de cheques e balanços — é a mesma tecnologia que aliena a minha mãe de forma crescente. A organização digital que me traz sanidade é a mesma que lhe causa ansiedade.

Eu sou da primeira geração de pessoas a ter um relacionamento adulto com seus pais que foram transformados pela tecnologia — ligar para casa usando um celular e estando na faculdade, mandar mensagem pedindo conselhos em uma noite sem sono, seguir passatempos aposentados no Facebook. Agora, estou usando-a para navegar em um impasse que tanto eu quanto minha mãe não estávamos preparadas para enfrentar, tentando cuidar dela de formas que talvez ela nunca entenda.

A versão original desse artigo, em inglês, pode ser lida no link.

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Editor of @VbyViacom. Formerly: Huge, Bloomberg, The Daily Beast, Forbes.