Ilustração por Paul O’Connor.

A mina de ouro da acessibilidade

Robin Newman
Magenta Brasil
8 min readJul 13, 2017

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Por que criar experiências levando em consideração a acessibilidade é uma decisão inteligente para os negócios.

MMolly Burke é uma celebridade do YouTube que, como diz seu website, “por acaso também é cega”. A jovem de 23 anos utiliza a plataforma para descrever como ela consegue realizar tarefas cotidianas, como se maquiar ou usar diferentes dispositivos — conteúdo que, com mais de meio milhão de visualizações, é o seu vídeo mais assistido. Seu ativismo anti-bullying e sua defesa da acessibilidade a levou a realizar palestras e a prestar consultoria para diferentes marcas (atualmente, ela é embaixadora da Dove). Criar vídeos é o seu modo de lutar contra a ignorância na sociedade, mas também o que a tornou uma porta-voz para como a tecnologia pode empoderar aqueles que possuem algum tipo de deficiência física.

“Se você me der um iPhone, eu deixo de ter uma deficiência porque todos os iPhones possuem um programa de leitor de tela”, afirma Burke. Trata-se de um avanço em relação há alguns anos quando, de acordo com a própria, ela seria incapaz de mexer em um Blackberry sem qualquer ajuda.

Claro, criar produtos digitais para pessoas com deficiências visuais, auditivas e cognitivas é um sinal de respeito por todas as pessoas e ao seu direito a informações e oportunidades; trata-se de um Direito Humano. Isso significa dedicar a mesma preocupação com a acessibilidade do público em geral, algo que deve ser parte integrante das disciplinas de design físico transpostas para a criação de experiências digitais. Pense: um arquiteto jamais criaria um hotel com muitos andares sem um elevador, mas, ao mesmo tempo, alguns dos websites mais populares do mundo não podem ser acessados sem o uso de um mouse.

Mas, além disso, criar para usuários deficientes físicos também é algo excelente para os negócios. Uma razão é simplesmente a escala da base de consumidores: essas pessoas compreendem um enorme perfil demográfico com poder de compra significativo. Nos EUA, quase 57 milhões de pessoas possuem algum tipo de deficiência e eles controlam mais de US$ 220 bilhões em gastos discricionários (mais do que o dobro do que o desejado público adolescente). No Brasil, esse número é ainda maior: de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 6,2% da população possui algum tipo de deficiência física, o que equivale a 200,6 milhões de brasileiros.

Há ainda outra razão para olhar para esses usuários: desenvolver tendo a acessibilidade como objetivo leva a inovações. Esse processo pode resultar em maior eficiência, desenvolvimento a longo prazo de produtos, design escalonável e uma vantagem competitiva.

Poupando custos a longo prazo.

Companhias podem mitigar ciclos alongados de desenvolvimento, sem mencionar custosas questões legais, se considerarem a acessibilidade desde o início do processo de design. Os exemplos são diversos. Considere a Target, que pagou cerca de US$ 6 milhões de indenização em um processo nos EUA acionado pela Federação Nacional dos Cegos. Ou a H&R Block, que pagou mais de US$ 100 mil de indenização em um acordo judicial referente ao fato do seu website e aplicativo violarem o Ato para Americanos com Deficiências. De acordo com o escritório de advocacia Seyfarth Shaw LLP, mais de 240 companhias foram processadas na corte federal americana entre janeiro de 2015 e novembro de 2016 por conta de websites que supostamente não possuíam recursos de acessibilidade.

O desenvolvimento de websites acessíveis requer um escopo maior de produção, além de gastos superiores, mas, no final das contas, sai mais em conta do que tentar arrumar uma página que foi construída incorretamente. “O custo para implementar recursos de acessibilidade em websites existentes pode chegar a milhões de dólares quando falamos de um redesign completo”, afirma Robert Sfeir, diretor de engenharia na Huge.

Já o retorno de um investimento para acessibilidade varia muito de acordo com o tipo de negócio — uma varejista nacional pode ter um ganho maior que uma fabricante regional, por exemplo. E apenas órgãos públicos são obrigados a aderir às Web Content Accessibility Guidelines (WCAG), uma base de regras técnicas para um design acessível. Ainda assim, implementar soluções básicas de acessibilidade trata-se de um investimento duradouro em diversidade e inclusão.

Além disso, incluir pessoas com deficiências no desenvolvimento da experiência do usuário e em etapas de testes também é uma tática para economizar custos. No ano passado, o Twitter lançou uma ferramenta de acessibilidade que permite a usuários adicionar uma descrição a cada imagem que publicam na plataforma. Só que a feature, que não é habilitada por padrão, está enterrada em um menu de configurações e não pode ser encontrada facilmente por aqueles que mais precisam dela.

“Uma aba de acessibilidade é o último recurso de uma longa lista, ainda que ‘acessibilidade’ comece com a letra ‘A’”, afirma Peter Armstrong, manager de conteúdo para a Accessible Media Inc. “Meu amigo que é cego e adora o Twitter não conseguiu fazer o recurso funcionar por comando de voz.

Esse exemplo ilustra uma regra simples, porém crucial, da acessibilidade. “A maior frustração ocorre quando os botões simplesmente não possuem rótulos”, afirma Anthony Vasquez, um especialista em tecnologia assistiva e o primeiro americano cego a estudar mandarim na Universidade de Stanford. “É simples, é só adicionar um texto alternativo no botão”.

Isso também revela como buracos podem ocorrer no design quando pessoas com deficiência são excluídas de todas as partes do processo de design.

“Pensar sobre a acessibilidade em si não é suficiente”, afirma Sfeir. “Pensar sobre a experiência do usuário de um ponto de vista da acessibilidade também é importante”.

Gerando inovação.

Desenvolver as features essenciais para usuários com deficiências pode levar a inovações notáveis que melhoram a experiência para todos os usuários. Questões básicas para um design digital acessível — como legendas para áudio ou um grande contraste de cores — são positivas para usuários idosos com baixa capacidade de visão, pessoas que não são fluentes com determinados idiomas, pessoas com DDA ou autismo, pessoas com danos cerebrais, residentes de áreas rurais com internet de baixa qualidade, e pessoas que fazem uso de tecnologias mais antigas… a lista é interminável.

E enquanto uma pessoa com deficiência visual pode precisar ver uma font maior no seu tablet, ou uma pessoa que tem dificuldade de audição pode precisar que seu telefone exiba uma notificação visual quando receber um mensagem SMS, essas mesmas customizações de UI ou UX são features que usuários sem limitações físicas podem gostar.

“Pense em um meio-fio com rampa ao invés de degrau. É ótimo para alguém em uma cadeira de rodas, mas também para alguém que esteja levando um carrinho de bebê ou que esteja em uma bicicleta”, afirma Burke. “Esses recursos podem ter sido colocados para pessoas com necessidades de acessibilidade, mas as pessoas que não as têm também podem usá-los e achá-los úteis”.

Além disso, a tecnologia assistiva está virando uma demanda crescente, à medida que mais produtos se tornam programáveis e a inteligência artificial se torna mais avançada, desbloqueando novos modos de interação, como rastreamento ocular e reconhecimento de gestos. Consumidores querem ser capazes de se relacionar com a tecnologia da forma que lhes for mais conveniente, seja falando com assistentes como a Siri, comprando utensílios domésticos por meio do Amazon Echo, ou enviando mensagens SMS durante uma reunião. “Todas essas tecnologias surgiram da necessidade de pessoas com deficiências”, afirma Matt May, especialista em acessibilidade da Adobe. “Ainda somos tratados como se estivéssemos embarreirando o progresso, mas na verdade somos os que estamos fazendo-as avançar”.

“Ter um background de acessibilidade possibilita insights que seus concorrentes podem não ter”, afirma Rich Schwerdtfeger, ex-CTO para acessibilidade na IBM. “Porque quando você leva isso aos consumidores, você leva liderança, e liderança traz novos negócios”.

Estabelecendo um apoio para o futuro.

A sedução com as tecnologias emergentes acontece quando elas ficam mais empolgantes. À medida que tecnologias como realidade virtual e robótica se tornam mais populares, há um potencial incrível para o design acessível.

Companhias veem isso como uma oportunidade para criar o futuro. A Microsoft tem experimentado com inteligência artificial para criar um aplicativo para cegos. O Google está aplicando machine learning para traduzir imagens e vídeos do nosso mundo físico em linguagem. E o banco britânico Barclays vem liderando o uso de beacon para melhorar a experiência de seus clientes com deficiência em suas agências.

Também há ainda uma oportunidade de se redefinir os padrões de design acessível à medida que eles são aplicados nessas plataformas emergentes. “Nossa relação com a tecnologia continua a evoluir. Há diversas coisas que não pensamos quando criamos os padrões [WCAG]”, afirma Sharron Rush, diretora executiva da Knowbility, uma ONG dedicada a tornar a tecnologia acessível mais popular. “Os padrões vão continuar a evoluir à medida que entendemos melhor a cognição humana e a interação humano-máquina. O potencial disso é muito animador”.

No momento, estamos em um ponto de inflexão. A tecnologia se tornou tão integrada na experiência cotidiana de praticamente todas as pessoas que garantir que as pessoas com deficiências não fiquem de fora está se tornando algo incrivelmente importante. Sem padrões de design universais e bem definidos, a tecnologia pode enfatizar deficiências ao invés de aliviar obstáculos, e continuar a fazer com que as pessoas nessa condição se sintam como cidadãos de segunda classe na cultura digital.

Marcas inteligentes devem ver isso como uma oportunidade. O design acessível dá a essas empresas uma vantagem competitiva, e as ajuda a gerar inovações que podem ganhar escala — enquanto ainda são incrivelmente personalizáveis e customizáveis.

“Eu uso um aparelho auditivo em um dos meus ouvidos que é completamente integrado ao meu iPhone porque ele foi co-criado pela Apple. Tudo deveria funcionar dessa forma”, afirma Sfeir. “Tudo deveria ser profundamente integrado e bem projetado para que as pessoas possam levar suas vidas da melhor forma possível”.

Fontes sobre acessibilidade em português:

  1. Decreto 6949/09, que promulga a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo
  2. Modelo de Acessibilidade em Governo Eletrônico (eMAG)
  3. Diretrizes de Acessibilidade ao Conteúdo da Web (WCAG)
  4. Acessibilidade Legal
  5. VLIBRAS
  6. Avaliador e Simulador de Acessibilidade em Sítios do Governo Federal
  7. Prêmio Nacional de Acessibilidade na Web

Fontes sobre acessibilidade em inglês:

  1. Web Accessibility in Mind (AIM) Resources
  2. Web Content Accessibility Guidelines (WCAG) Overview
  3. Deque
  4. Accessibility According to Actual People with Disabilities
  5. Inclusive Design Patterns, by Heydon Pickering, 2016
  6. Structured Negotiations, a Winning Alternative to Lawsuits, by Lainey Feingold, 2016
  7. My Blind Spot
  8. Accessible Media Inc.
  9. Accessibility Training
  10. Accessibility Conferences

Obrigado a Peter Armstrong, Molly Burke, Jack Gold, Lainey Feingold, Matt May, Sharron Rush, Richard Schwerdtfeger, Robert Sfeir e Anthony Vasquez.

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